sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Dia Internacional das Bibliotecas Escolares

Escrita criativa: a partir de excertos de "Islâmicos 14:38", livro escrito pelo nosso convidado Isaac Jaló, apresentamos três textos muito criativos escritos por alunas do 11º ano.

São três, e aqui estão para que possam ser apreciados.



Capítulo I

O ambiente era relaxante na sala de estar de um apartamento cómodo e requintado à beira do metro de Odivelas. O manto superior, carregado de cinzento, que fazia de Lisboa sua refém e o vento que soprava agreste nas suas ruas, desencorajavam qualquer intenção de sair para passear. Assim se manifestava aquele inverno, quase a pique.
Na televisão, o filme «Janela Indiscreta» de Hitchcock tinha chegado ao intervalo. O juiz Álvaro Neves levantou-se preguiçosamente e dirigiu-se à janela da sala para observar a tempestade que, naquela tarde invernosa de domingo, uivava pela cidade como um lobo perdido.

Por entre as pingas da chuva nas vidraças, o juiz viu a rua sem vivalma. Subitamente, surgiu um vulto ao virar da esquina, fustigado pela tempestade, numa luta feroz contra o vento que parecia tudo fazer para o impedir de avançar. Julgou, claro, tratar-se de alguém a tentar fugir do temporal. Mas depressa percebeu que, na verdade, fosse quem fosse, estava a ser perseguido por um outro vulto, de gabardina e chapéu, que se aproximava de modo ameaçador.
Na rua deserta, os dois homens iniciaram uma breve mas feroz luta. Tudo levava a crer tratar-se de um assalto, daqueles que tantas vezes se ouve falar na televisão, mas que raramente se vê.
«– Onde irá parar esta sociedade?» – pensou o juiz. Havia no seu rosto um certo ar de resignação impotente. Com certeza que não iria ser ele o herói que enfrentaria a tempestade para apanhar o ladrão. Esse era o trabalho da polícia. A ele cabia-lhe julgar.
Estava o juiz perdido nestes pensamentos, quando percebeu que, afinal, o suposto ladrão não roubara nada. O certo é que desapareceu a correr pelas escadas de acesso ao metro, deixando atrás de si a vítima aparentemente morta!
Desta vez, Álvaro não fez uma expressão resignada, pelo contrário, invadiu-o um sentimento de altruísmo. Como juiz, mas principalmente como cidadão, não podia ficar indiferente ao corpo ali estendido debaixo da chuva, mesmo em frente à porta do seu prédio.
E, enquanto na televisão o ator continuava a observar a rua pela janela, o juiz, abriu a porta e desceu as escadas a correr, sem sequer se lembrar de que havia elevador. Saiu para a rua e aproximou-se do corpo inerte. Nesse momento, a chuva redobrou de intensidade e o vento levantou-lhe as abas do robe. Sem pensar duas vezes, o juiz agarrou no homem e arrastou-o pesadamente para o interior do prédio.
Apesar de não ser médico, tinha algumas noções de primeiros socorros que lhe ficaram ainda do já distante tempo de juventude em que fora escuteiro. E bastou um breve toque no pescoço do desconhecido para perceber que, pelo menos, estava vivo.
Chamou o elevador e arrastou o corpo do homem para o interior da cabina. O elevador subiu até ao terceiro andar e voltou a arrastar o corpo para dentro do seu requintado apartamento, cuja porta deixara aberta com a pressa. Apesar de vivo, o desconhecido continuava desmaiado. Por isso, a primeira coisa em que pensou foi chamar uma ambulância. Estava à procura do telemóvel, quando o homem acordou.
– Onde estou? – perguntou o desconhecido com voz fraca, como se tivesse despertado de um pesadelo.
Ao ouvir o homem, Álvaro esqueceu o telemóvel e dirigiu-se rapidamente para ele.
– Alguém o atacou aqui mesmo em frente, deixando-o estendido na rua. Vi tudo pela janela e trouxe-o para minha casa. Vou agora ligar para a ambulância. Como se chama?
– Não me lembro! – respondeu o desconhecido.
– Não se lembra do seu nome? – espantou-se o juiz.
– Não. Nem do meu nome, nem de nada relativo ao meu passado! – voltou a responder o homem, esfregando o braço esquerdo, como se estivesse dorido. Na televisão, o ator observava pela janela o crime a ser cometido. Foi então que Álvaro reparou numa marca de picada de agulha no braço do homem. 
– Parece-me que alguém o atacou só para lhe dar uma injeção e…
– Sim! – interrompeu o homem – É a única coisa de que me lembro!
– Provavelmente com alguma substância que lhe provocou essa amnésia! – acrescentou o juiz. E depois, como se falasse consigo mesmo, perguntou – A questão é, porquê?
Lá fora, a tempestade aumentava. A chuva batia agora com tanta força contra as vidraças, que mais parecia uma criatura desesperada por entrar.
O homem pediu que o deixasse passar ali a noite. A curiosidade perante este caso insólito, fez com que o juiz, embora apreensivo, acedesse ao pedido do desconhecido, dizendo que no dia seguinte teria mesmo de o levar ao hospital.
E enquanto na televisão o criminoso era apanhado e a palavra «fim» surgia a meio do ecrã, o desconhecido voltou a adormecer. Sentado no cadeirão em frente ao televisor, o juiz olhou para o homem sem saber o que pensar.
O que ele também não sabia era que, lá fora, por entre a chuva furiosa e os uivos do vento, o estranho vulto da gabardina e chapéu, rondava o prédio como um lobo a sua presa.


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Capítulo III

A Europa acordara de luto.
Na madrugada do décimo sexto dia de dezembro, uma bomba de pequena potência explodira no coração da cidade de Hamburgo, no norte da Alemanha, a segunda maior em termos populacionais.

É a partir daí que acompanhamos a vida do soldado Joseph, um jovem alemão, que sobressai no meio de tantos outros soldados, pois  era rápido, ágil e bastante forte. Tinha-se juntado ao exército recentemente.
Ele vivia num mundo violento, sangrento e dominado por homens. Depois da explosão em Hamburgo, alguns soldados foram chamados para ajudar os feridos que tinham sofrido com a bomba e foi quando Joseph entrou numa igreja onde ouviu as  duras palavras de um padre: " O Senhor fez-nos à sua imagem, mas não nos deu o seu poder. Pai, eu duvido do teu amor!"
O padre ferido foi logo levado para a enfermaria, bem como outras pessoas que aí se encontravam.
 O soldado ficou pensativo, ele nunca fora chamado para ajudar as pessoas, pois ele era um soldado  e um soldado combate em guerras. Todo o glamour que tinha ouvido dos seus superiores era falsa, ninguém sabe porque luta, os soldados eram apenas fantoches nas mãos dos ricos que viam sentido na guerra.
Tanta violência,  sempre a obedecer, nunca tinha questionado o porquê da guerra. Que ironia ouvir um padre a perder a sua fé!
Estas palavras  fizeram o Joseph pensar. Não se sentia parte daquele mundo, um mundo onde  todos pareciam  alheios.  Pessoas que não se conheciam, que não sabiam o nome umas das outras e que não tinham motivos para se odiar, lutavam entre si... Não há motivos para que tanta gente se encontre num local com o único propósito de derramar sangue.

A melhor forma que encontrou foi afastar-se te todo aquele cenário.  Saiu da Alemanha em direção ao norte em busca de refúgio num local onde as armas não fossem necessárias e onde o diálogo fosse a primeira opção.

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Capítulo IV
Um pequeno debate, porém, com grande importância, iniciara-se na comunidade, relativamente à iniciativa solidária que a Mesquita Central de Lisboa se preparava para realizar. Estava marcado para o dia vinte e cinco de Dezembro, data de muito relevo, para os cristãos: o Dia de Natal.
 Na maior parte dos países muçulmanos, esta data é irrelevante e, por isso, alguns membros da administração opuseram-se à proposta que teria sido feita argumentando que não fazia sentido celebrarem esta data de forma cristã. Mas, com a decisão final do imã (Conselheiro Religioso), determinou-se que seria realizado um “banquete” solidário para todos aqueles que não tivessem condições financeiras, família ou mesmo um teto para passar o dia natalício, fossem muçulmanos ou não.
Chegado o dia 25 de dezembro de 2016, devido à proximidade da estação de metro da Praça de Espanha, a Mesquita acolheu os sem-abrigo que por ali vivem, juntamente com várias famílias carenciadas, principalmente as muçulmanas que, mesmo tendo um sítio para morar, viviam com algumas dificuldades.
 No início do convívio, era notória uma certa desconfiança entre vários grupos. As famílias carenciadas sentavam-se olhando com um desprezo disfarçado para os sem-abrigo; estes, sendo maioritariamente católicos, entraram na Mesquita receosos, afastavam-se dos muçulmanos e estes, por sua vez, demonstravam também alguma incerteza quanto às restantes pessoas, cochichando entre si.
A Fundação Calouste Gulbenkian, que também se encontra relativamente perto desta Mesquita e que procura sempre melhorar a qualidade de vida de cada um, participou desta iniciativa promovendo várias atividades ao longo do dia, como a distribuição de pequenas lembranças e investir na capacitação das pessoas. Foram realizados jogos teatrais improvisados, onde cada um podia representar o papel com que sonhasse, desempenhar a função que quisesse ou ter o estatuto social que bem entendesse.
As atividades começaram por volta das nove horas e foram chegando cada vez mais pessoas. Ao meio dia e meio já se notava outro clima, mais descontraído. Os convivas conversavam alegremente entre si, esquecendo as diferenças que os separavam e antecipando um bom ambiente para o tão esperado banquete.
A iniciativa excedeu as expectativas de todos e tornou-se num dia memorável, não só pela riqueza das experiências vividas como pelas lições adquiridas; conheceram diversas culturas, respeitaram as crenças e costumes diferentes dos seus e aprenderam que, apesar das origens distintas, todos têm direito à dignidade e ao respeito. E, com a tolerância, foi possível fazer com que este dia fosse um dia especial para todos.                                                    




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